domingo, 13 de fevereiro de 2011

Mesmo com o risco da própria vida…


- Alô.

- Flávio!? Você está trabalhando hoje?

- Não, por quê?

- Graças a Deus! Teve um tiroteio na cidade, daqui dava pra ouvir os tiros. Parece que levaram os policiais como reféns. Ainda bem que você não está aqui…

- Como é!? Tiroteio!? Policial de refém!?

- É, meu filho, mas ainda bem que não foi com você.

Começo a ligar para meus colegas de serviço. A primeira chamada não é concluída, telefone desligado. Insisto, minha mãe percebe que fico preocupado e passa a prestar atenção. Ligo novamente, desligado. Ligo para outro colega. Ele me atende.

- Levaram Rênio*, Cromo* e o sargento Germânio*!

Era outro policial que também estava de folga, mas a par dos acontecimentos. Ligo para o tenente.

- Tenente, o que está acontecendo?

- Tentaram roubar o banco, levaram os policiais. indo pra lá agora.

- Eu vou também!

- Isso, vá.

Rapidamente me apronto e sigo para a cidade. Chegando no local, a cena era perturbadora. Várias marcas de tiros nas paredes e nos veículos, uma mancha de sangue no asfalto, um carro abandonado no meio da rua, muitos curiosos sem entender direito o que se passou e incontáveis policiais. Nessas horas que a gente percebe que, apesar de todas as dificuldades e reclamações no serviço, ainda somos unidos. Como dizem, “a família é grande”.

Informações desencontradas. Foi roubo? Resgate de preso? Tentativa de sequestro no fórum? Quantos bandidos? Recebo a notícia que meus companheiros estão bem, foram liberados quase ilesos depois que o helicóptero localizou a viatura roubada, o que permitiu a soltura dos policiais. Um sargento atingido na coxa, um soldado ferido por estilhaços no rosto e o outro soldado com problema de pressão. O alívio é imediato, mas ainda fica o desejo de responder à altura tamanho atrevimento. Já nos empenhamos quando não estamos diretamente envolvidos, imagine quando sentimos na pele a audácia dos marginais. Assim segue a “caçada”, diligências por toda a região, barreiras, buscas pelo canavial, o cerco se fecha. O primeiro bandido finalmente é preso.

Pela noite, consigo falar com o soldado que teve o rosto lesionado. Ele me conta os momentos de terror. Disse que os bandidos renderam um companheiro ainda na calçada e depois atiraram contra o prédio em que ele e o sargento se encontravam. Melhor armados e em maior número, os vagabundos intensificaram o ataque, que foi prontamente revidado pelos dois PMs acuados. Pelo rádio, ouviu-se o apelo desesperado por socorro:

- CIOSP! PRIORIDADE! #$&%!*@! CIOSP!

Em meios aos ruídos de interferência e aos barulhos dos disparos, os demais companheiros sabiam que alguém precisava de apoio, mas ainda não sabiam quem. Silêncio no rádio… O soldado efetua novos disparos e grita mais uma vez em seu HT.

- CIOSP! PRIORIDADE! PAPA MIKE*!

Finalmente o som pode ser entendido e rapidamente todas as viaturas que ouviram o pedido de apoio se dirigiram até o local solicitado. Apesar de irem o mais rápido possível, na maior parte arriscando as próprias vidas em um possível acidente, parece pouco. Não demorou 10 minutos para a chegada do reforço, mesmo assim, foi demais para quem está na iminência de morrer. São segundos preciosos. E tempo suficiente para acontecer algo ainda mais grave.

Percebendo que os policiais não iriam se render, eles utilizam o PM dominado como escudo e com uma pistola apontada para a cabeça dele, ameaçam matar o colega caso os demais não se entregassem. E agora? Qual a garantia que eles não o matarão mesmo depois da rendição? Qual a garantia de que eles não matarão todos? Nenhuma, mas era preciso arriscar. O marginal promete a integridade dos policiais. “Nós só vamos ‘fazer’ o banco”.

No entanto, eles não esperavam que houvesse mais dois agentes penitenciários a poucos metros dali. Os agentes realizavam a escolta de um detento para uma audiência no fórum da cidade. Quando ouviram os tiros, não tiveram dúvidas em agir contra os bandidos. Atordoada, a quadrilha desiste do roubo, agora só interessa fugir. Como garantia de fuga, levam os policiais algemados e na própria viatura. Até serem localizados pelo helicóptero, como dito pouco antes.

Na madrugada, mais dois presos. Restava a investigação para pegar os outros membros da quadrilha. Identificação dos bandidos, depoimentos, relembrar tudo. Não podia fazer muito, apenas prestar solidariedade e apoio no que meus colegas precisassem. O abalo emocional deles era evidente. Enfim, o dia acaba. Mais uma vez, voltam para casa salvos.

Meus colegas me perguntam por que insisto nessa profissão, já que eu tenho outras opções. Sinceramente, não sei. Pensamos que é melhor fugir dos problemas, sem qualquer reconhecimento, que não é inteligente nos arriscarmos desse jeito. Também temos famílias, filhos, mães, irmãos, esposas, namoradas que sofrem e se preocupam com a gente. Mesmo assim, gosto de ser policial. Tento fazer o meu melhor, não vou pedir para sair, quero acreditar que posso fazer diferença. Afinal, já ouvi dizer em algum lugar que quando os bons se omitem, o mal prevalece. É um sacrifício que estou disposto a fazer, foi um juramento que eu fiz.

Essa não é uma obra de ficção, embora nomes e lugares tenham sido alterados por questão de segurança.

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