domingo, 13 de fevereiro de 2011

Pena não, pau!...


Pena não, pau!

Trabalho em uma pequena cidade com pouco mais de 20 mil habitantes, considerada pacata e com uma população acolhedora. Como em todo o Estado, o efetivo policial é pequeno, um número irrisório que se desdobra para conseguir suprir as necessidades da comunidade. Pense comigo: se na capital (onde existe a pressão/fiscalização da imprensa) faltam policiais para cobrir toda a demanda, imagine então a situação dos municípios de menor importância para o Estado. Dessa forma, fazemos o que está ao nosso alcance, até gostaria de contribuir mais, contudo as porradas que já tomei na PM me ensinaram que para sobreviver lá dentro a primeira regra é não “querer demais”, entenda como quiser…

O dia estava tranqüilo, ainda bem, afinal éramos apenas dois homens para vigiar a pequena Delegacia da cidade – com pouco mais de dez detentos – e ainda atender os eventuais chamados da população. Como atender as emergências em tais condições? Na PM há jeito para tudo. Aliás, jeito não! Jeitinho… O bom e velho jeitinho brasileiro é aperfeiçoado na polícia. É isso ou você não dura um dia. Assim, sempre que precisávamos nos ausentar da Delegacia para alguma ocorrência recorríamos a um dos presos. Um senhor de meia idade, que após tanto tempo no ambiente já gozava de certaconfiança e dispunha de regalias que os outros não tinham, tais como livre circulação pelo prédio e até mesmo pequenas concessões de “liberdade provisória”. Em troca, ele ficava de plantão sempre que fosse preciso, atendendo as ligações ou operando o rádio (atividade que realizava até melhor que outros policiais). É o chamado preso de confiança. A solução é dar-lhe crédito. Que outra alternativa se tem?

No início ficamos revoltados, depois nos acostumamos e sem perceber já estamos rindo da própria desgraça. Rir é o melhor remédio, brasileiro adora rir de desgraça (inclusive da própria), e no país da piada pronta motivo não falta. E se faltar, a gente inventa. Por isso, considero o meu ambiente de trabalho até agradável, quer dizer, ao menos consigo dar boas gargalhadas com as presepadas que antes de entrar na Gloriosa jamais pudesse imaginar que fossem possíveis.

Desculpa te enrolar tanto para chegar aonde quero, mas é difícil ficar limitado a uma só história quando se fala da PM. Como dizia no início, estávamos eu e outro soldado indo atender a mais uma ocorrência sem futuro. Uma mãe revoltada nos pedia para que fôssemos até à sua residência acalmar seu filho, que estava quebrando tudo dentro de casa e ameaçando seus familiares com uma faca peixeira. Provavelmente ele estava tendo uma crise de abstinência, pois exigia dinheiro para comprar crack e estava visivelmente transtornado.

Autorizados pela mãe, entramos na residência e, em meio aos destroços dos móveis e demais objetos espalhados pela sala, iniciamos o diálogo na tentativa de persuadí-lo. Em vão! Primeira tentativa frustrada, mas a conversa resolve 90% das ocorrências e continuamos a gastar saliva. A essa altura o nível de estresse tanto do perturbado quanto o nosso já era alto e a atenção redobrada . Foi quando de supetão o maluco parte contra mim com a faca em punho (aliás, sempre sou premiado, deve ser por causa do meu 1.70m). Instintivamente, eu e o outro soldado utilizamos o bastão para nos defender até conseguirmos dominá-lo. Não durou cinco minutos, mas a sensação é que dura muito mais tempo, a julgar pelo desgaste físico depois. Como tudo foi muito rápido não sei como escapei ileso, acredito que só tenha conseguido responder à ação por ter mantido uma distância segura do noiado. Não vou negar que exagerei na dose do “calmante”, nessas horas é díficil não ser passional e se exceder, pior para ele que não nos escutou. A mãe também estava revoltada mas para minha surpresa não ficou contra nós. O que, pasmem, geralmente acontece nesses casos.

- Dê uma surra nesse caba de pêia!

A que ponto aquela família chegou. Sequer a mãe tinha compaixão pelo vagabundo. Ela não sentia pena, não era nós que sentiríamos. Isso somente no calor dos acontecimentos. Na volta para Delegacia, com a cabeça fria, comentava com meu colega sobre essa tristeza, que me sensibilizara, que a droga é uma merda mesmo, o crack então a pior de todas… Perguntei-lhe se não sentia pena (da mãe, é claro) quando ele responde secamente:

- Nessas horas eu só tenho pena é do bastão!

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